segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Suspenso no dourar

"É um meio sol, não aquece e não deixa arrefecer.
É um assim-assim que dá uma peculiar beleza intrigante às coisas, dourando-as.
E há um vagar que elas ganham, como se a câmara lenta este sol as obrigasse,
para que seja degustada toda a sua existência neste momento, 
deixando, seja um rock pesado, seja um soul, impotentes.
É quase anestesiante. E reconhecê-lo e consenti-lo é prazeroso,
como é o simples toque, nem que seja, de um raio deste sol, na face que encontra primeiro, combinando com a brisa um suavizar do beijo quente, como uma ritual sintonia.
Força um lento piscar de olhos, para em segredo se ver o gosto disto no interior,
mas o suficiente para voltar a ver tudo de novo com o olhar, e não deixar escapar qualquer  pormenor diferente, nem esfriar, nem por um segundo, todo o mistério viciante.
Há uma procura de nada, e de tudo, porque o cerne deixa-se embalar por uma embriaguez que dá o tudo e tira o nada..." Flávia Abreu 

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O aparente insano

"É como a bruma que passa,
que carrega no colo centelhas ilusões.
E a maresia que tempera um incêndio de paixão.
E a calmaria que assenta na noite do porto
incita a fugaz vontade de malandragem
como animal que se é.
Tais esses gatos pardos
que berram pela fonte da vida que os penetra.

E chovem estrelas em todos os lugares,
mas só os de natureza apaixonada as vêm,
porque nesse esplendor se querem deleitar.

E a estúpida música que foge pela fresta da porta do bar,
quando a música devia ser a ouvida 
no silêncio da felicidade,
[ou pelo menos das dunas],
roubando a fé das gentes, 
corroendo a essencia delas.
São o que vêem, o que ouvem,
o que lhes mandam, não o que são.

E a pele luzidia de uma criança 
é como os seus pensamentos, 
e o mundo devia ser delas.

Guarda esse beijo para a certeza,
ela dar-te-á uma onda de tudo
pela espinha, pela alma.

Limam-se arestas só aprendendo, conhecendo,
mas deixa de ser belo
se se exclui quem a isso incitou." Flávia Abreu

sábado, 17 de setembro de 2011

Para os homens...


"O homem tende a acreditar...

  • que tem a mulher na mão, quando é ela quem escolhe mostrar que está a ser levada na cantiga para lhe dar a sensação de conquista e, consequentemente, de encanto por ela;
  • que a mulher está mais apaixonada por ele do que por chocolate, quando ela simplesmente o apaparica para o fazer sentir em pleno na sua companhia;
  • que a mulher não percebe quando ele mente, quando, muitas vezes, ela prefere é não mostrar que o sabe para evitar conflitos em determinado momento;
  • que a mulher não percebe tudo que ele precisa, quando ela só não faz tudo isso por saber que assim que o fizesse ele perderia o interesse nela;
  • que a mulher não fica magoada com certas rudezas que ele nem se apercebe que tem para com ela, quando ela só não quer mostrar a sua fragilidade, pois se ele não se apercebe também não perceberia que  a feriu;
  • que a mulher é contentada com compras, quando uma simples conversa, em que ambos partilham as suas vidas, é um dos melhores presentes que ele lhe pode dar; 
  • que a mulher deixou de lutar porque já não gosta dele, quando muitas vezes já não tem é condições para continuar a lixar-se ou porque sabe que ele nunca a verá para o poder fazer feliz como deseja que ele seja;
  • que a mulher se mostra irada/indiferente com ele quando está zangada/ triste e nem o pode ver à frente, quando o que mais precisa é de um  verdadeiro abraço dele e do seu reconhecimento de que errou;
  • que a mulher tem sempre a culpa de tudo, quando o orgulho e ego dele é que não o deixam ver para além de si mesmo;
  • que a mulher conta as coisas dele às amigas, quando ela só desabafa como se sente com ele nas diversas circunstâncias menos boas;
  • que a mulher é chata, quanto ela só se preocupa com o seu bem estar;
  • que a mulher fica com ciúmes quando ele olha para outra mulher, quando ela compreende esse impulso e só não tolera quando ele exibe claramente esse olhar ou escolhe galar outra;
  • que só ele tem mulheres interessadas nele, quando a mulher, se for preciso, tem homens sem conta à volta da sua saia, mas simplesmente só ela o sabe porque lhe é irrelevante quando tem alguém no seu mundo, e não precisa inchar o seu ego como o homem;
  • que a mulher depois de conquistada uma vez não precisa ser conquistada nunca mais depois de 'a ter';
  • que a mulher é menos do que o que é na realidade, nunca a conhecendo de verdade;
  • que a mulher é apenas a sua mulher, quando ele é quase todo o coração dela;
  • que a mulher fica uma lástima quando ele parte, quando ela fica mal mas é bem mais forte do que ele julga;
  • que a mulher não o compreende, quando ela lhe vê a alma nos seus olhos, sabe o que pensa quando nem está com ele, percebe o que sente através dos seus pequenos gestos, lê as suas entrelinhas, e aprende a linguagem que ele tem quando quer dizer absolutamente o contrário;
  • que a mulher é complicada quando ela simplesmente o ama, e essa é que é a complicação;
  • que a mulher devia ser perfeita, quando ela é apenas humana, assim como ele."  Flávia Abreu

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Ontem...

     "Das vezes que te sentiste triste quantas foram as que o motivo se revelou ser o de não poderes trazer para o presente o passado, de não poderes concertar algo no que foi o ontem, para o agora ser melhor do que querias ter feito, o de voltar a viver o bom que sentiste antes, o de não poderes tornar como desejo possível o manter eterno de um momento/período da vida? Quase todas essas vezes...
      Incrível como somos tão frágeis, como nos prendemos às pessoas que nos mostram e fazem sentir o que deveríamos conseguir sozinhos... Somos dependentes dessa mágica partilha para sermos verdadeiramente felizes e, ainda assim, passamos tanto tempo a escondermos o bom que temos para dar, para que, em retorno automático, possamos receber. Mas temos a hipocrisia suficiente para perceber conscientemente isso quando já se perdeu no tempo, depois de se achar que o mais importante em primeiro lugar é mostrar-se forte... Quando ser forte não é, de todo, estar constantemente a ocultar o que se pensa e sente, é sim, com tudo o que se tem, tornar o hoje o melhor que se pode ter sem medos, pois só com a verdade se pode viver por completo." Flávia Abreu

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Orgulho

"Como se o teu mundo fosse como a cidade
que só mostra o que cada um quer ver,
e esconde o brilho das estrelas
nas ruas cheias de edificios altos.
 ...

É como se a noite não tivesse fim,
e ao mesmo tempo é segundos.
É como se nunca antes te tivesse sentido em mim,
e a tua pele fosse sonhos mudos.

E espero que o orgulho se vá para te beijar,
[como se os meus vidros não espelhassem a verdade],
mas sorrio sem querer para o luar:
quase que o meu mistério se revela no ar.

E procuro não ceder ao chocolate do teu olhar,
para não ter que me perder no saborear.
E perceber que os meus têm uma névoa,
quando os, simplesmente, vês.

E escondo a saudade de ti,
para não pensar no abraço que nem sei se sentes,
e na paixão que não conheço em mim,
a que só me deixo sentir
quando essa a ti te queimar."

Flávia Abreu

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Se não puderes falar verdade, nada digas...

    "Já pensaram em como tantas vezes foram seduzidos por palavras? E que, sempre, sempre, essas são, as que sem conscientemente sabermos, queremos ouvir. Quando vêm numa altura em que não precisamos delas, e não tendo qualquer vulnerabilidade emocional, percebemos que não têm algum efeito, exactamente por serem só palavras; mas quando elas surgem e, repetidamente, numa altura em que qualquer mel nunca é visto como artificial, ele serve precisamente para unir os pedaços perdidos em nós mesmos. E já pensaram em como essas palavras podem ser escolhidas precisamente para esse efeito, por quem as oferece? A razão não é a mais justa, mas legítima, porque é através da palavra que combina com cada um que se chega a quem se pretende. E para quê? Se algum dia se vai esquecer que tem que pensar bem no que vai dizer, e finalmente expressa a sua verdade...
    Por este motivo é preferível, sem qualquer dúvida, um acto ou comportamento a mil e uma brilhantes palavras, porque apesar de terem margem de sedução são escolhidas, logo, racionalizadas com intenção que não se conhece; um comportamento é um broto do coração, não se escolhe, e, portanto, é revelador da verdade de cada um. As palavras só chegam quando já chegaram até nós quem as diz." Flávia Abreu

terça-feira, 15 de março de 2011

Lótus

"Faz tempo que a noite caiu,
mas o tempo parece-me irrelevante,
seja em qual minuto estiver.
Tal como circula pelas veias o mesmo líquido
corre, para além dos muitos,
um mesmo fluxo pela mente
como a agulha no gira-discos
que conhece inúmeras canções,
mas vicia numa até o disco riscar.

Como místico automatismo,
vagueio num tempo parado,
num pequeno enorme espaço;
e acaricio com gozo o seu limite
com um olho atrás e outro a frente
e rio-me dele por isso,
e de mim por fazê-lo.

Por ser irrelevante então,
posso ficar à porta
e ver as cores do céu mudarem
da noite para a madrugada,
e depois para a alvorada,
e a chuva cair sem sentir sequer que me encharca...
E degustar a ideia o infinito
em quantos tragos quiser.

E fantasio com máscara de louca.
Ah, como eu gostava de o ser,
veria o mar de um Cadillac.
E minto sem nada dizer
porque eu já sou uma mentira:
vejo-o nos falsos espelhos das córneas das gentes.
Essas que imaginam ver-me,
e tossem para que me vá,
quando elas já se foram.
Flávia Abreu

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Ausência

O problema é que muitas vezes as pessoas valorizam mais os bons momentos do que as pessoas que os proporcionaram, acabando por sentir falta de tempos que foram e não das pessoas, que se mantêm, quando se ausentam, porque nem as conheceram...

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Logaritmo


"És ordinariamente como todos,
não de indecência,
mas de vulgaridade,
vestindo máscaras impróprias,
para os apelos das tuas entranhas.
Mas não de todo:

Vagueias pelas ruelas
sem nada ver,
a não ser que n'algo te espelhes:
adocicas a mente por momentos
e, novamente, abandonas a ideia de perceber.

Recolhes-te num lirismo real,
que não o de alguém,
a não ser o mesmo que o meu,
e falas de aparentes esperanças
que nem sabes se queres realizar.

Inspiras memórias
num tempo parado
e deixas de expirar futuras lembranças
num tempo que corre...
Apenas sonhas.

Nesse mundo bravio
vedado de cautela
não haverá flores,
apenas a ideia de que há,
pois não entra semente que em ti renasça.

Vigarizas possibilidades,
de tamanhos sorrisos
e crias uma verdade única
a tua, a que reina,
a que não se entende.

Banes-te da sociedade comum,
não porque optes,
mas sabe-te bem
porque tens por onde pensar 
e por que te comportar diferente.

Fascina-me o teu mundo
onde o céu ainda não chegou
é quente e mágico, não é imundo
como aquele que para todos se criou.

Conheces a mentira e a desonestidade
mas os teus pensamentos
embelezam a verdade
que é a realidade. "
Flávia Abreu

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Singular



"Onde eu moro não há ruas,
é um lugarejo quase esquecido.
À porta cumprimenta-se o sol,
ou o cinza do céu.
Só vem viajante de quando em vez
que, apenas um, dois dias fica...
É-lhes servido um banquete,
mas que o seu papo não consola.

Daqui vejo, não vislumbro.
É o meu maior impulso.
E percebo o que não devo...
ou devo, sei lá eu...
Porque se acredito,
o que acontecer será único;
se não acredito,
nunca será genuíno,
mas nunca uma espada me trespassará.
Não faço uma escolha
porque poderia trair-me
e apenas quero ser eu.
Não quero pensar no que devo ser.
Pensar afasta a simplicidade
e permite penetrar
nos recônditos da verdade
(que é a que se quer).

Por vezes sinto saudade,
de acreditar que os viajantes ficarão, 
do que tive,
do que não tive ou alguma vez terei,
e colido com o tempo
e caio num vazio onde me sento
desencontrando-me, então.

Viajo sem me mexer:
pelo infinito do que poderão ser
a lógica e o senso
e com as mesmas conclusões mato a meta;  
por felizes possibilidades impossíveis...
que me escorrem por entre os dedos
e visitam à noite enquanto durmo." Flávia Abreu

domingo, 16 de janeiro de 2011

mundo perdido




















"Pensa no inexistente,
no que não aconteceu.
Mesmo sendo persistente,
veio um anjo e a ideia comeu,
pois só a ideia por si descarnava.

Línguas boas sibilaram
mas a ideia ao coração se agarrava
e limpou-o de força em vão
enquanto o corpo destruiu.
Uma perfeita ilusão...
que a alma baniu!

Paixão em factos impulsivos
versus dignidade medida...
Competiram loucos gritos emotivos
com gritos do magno senso;
não houve vitória, apenas consenso.

E cada batalha foi dispensável:
um mundo desnorteou
e nele pariu-se uma frieza incomensurável.
O anjo tardou!
Terá de tecer novas asas ao seu protegido."

Flávia Abreu